terça-feira, 28 de agosto de 2012

ALÉM


senhor – em quem não creio, porque nada há sobre nós além da vida
enlouquecida, sabedora, senhora, absoluta
o que me faz assim, desejante ardorosa do que não quero nem em sonho
quando em sã consciência?
o que me faz incorrer no absurdo do impossível, insistir no despudor existencial
quando sei que todo equívoco é tão fundamental quanto fortuito
e leva exatamente ao mesmo?

nada altera no rumo da vida
que continua, impassível.

o que me faz pretender protagonizar a tragédia humana
quando sei que isso nada significa
na história da humanidade, da terra
do que sustenta e retém?

oh dor maior porque ridícula
vã, inexistente
no curso dos acontecimentos que me ignoram tanto quanto ao mundo que habito:

por que é ainda mais pungente essa consciência
que impede o mergulho – único ato sublime
nas trevas e nas entranhas da noite inconsciente
da própria vida, afinal, tão bendita?

terça-feira, 29 de maio de 2012

desinvestimento


já me ofereceram muita coisa nessa vida:

corpo sem alma
vertigem sem chão
loucura sem remédio
paixão sem limite

aceitei de um tudo

agora não quero nada
além de
desenquadres

pássaros para voar

terça-feira, 17 de abril de 2012

CAOS

pontos cegos
buracos negros
mesmo mapeados
desnorteiam
abrigam nomes
cheiros, lembranças
que estocados pelo tempo
irrompem sem aviso 
tragando as linhas
entre o caos e eu

quarta-feira, 4 de abril de 2012

do amor e da loucura

filha do amor, orgulhoso e carente
com a loucura, destrutiva e criadora
a paixão em mim tem o dom de tocar
o coração de uma mulher ferida e de um homem sem esperanças

do amor apreendem os filósofos uma ideia precisa
pela razão, em conceitos
enquanto nós, amadores comuns
aprendemos por seus descaminhos
que assim como se diz da verdade
mais vale no amor a busca
do que ele em si mesmo



quarta-feira, 28 de março de 2012

O que é, é

vejo com os olhos da alma:
eles estavam certos,
esses arautos da verdade!
apesar da ilusão
à revelia
lateja sob a pele da vida
esta verdade esclarecida:
o que é, é
ecoa pelos tempos
subsiste
o que não é
jamais seria


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

liberdade

ato-me ao que liberta
sentimentos são múltiplos 
mas não minhas metas
sigo equívoca pelos caminhos
rastreio meu fim
amor há de todos os tipos
os bons e os maus vingam
amores bons me desencontram de mim
abrem asas no peito
amores maus me dobram sobre mim mesma
atiram dores à cara
todo amor tem seu ciclo 
nenhum me contém
quando nasço outra para ser no que transborda:
então estou inteira

domingo, 4 de dezembro de 2011

te espero no cume invisível de uma montanha infinita para nosso tamanho

de tudo, resto-me a mim
se a solidão é o preço a ser pago
que valha toda a vida esta única pena

não se conquista impunemente a liberdade
de percorrer os labirintos dos afetos

pena de quem só pensa com o intelecto,
porque não bombeia sua razão com o sangue sujo do coração
pena de quem não pode pensar,
porque tudo lhe escapa pelas mãos, pelos olhos, pelos pulsos abertos a giletes em noites que não tiveram fim

eu não sei tudo, eu não sei nada
sei que pensar, sentir, estar
depende de viver sem se distrair demais,
de tomar a vida nos braços como se doma um leão,
não a cada dia, mas de uma única vez, por todas!

sou agora tão louca quanto Nietzsche quando calou para sempre,
tão louca quanto Sócrates ao ser condenado à cicuta,
quanto aquele que nada vê em si, nem além
pois tudo o que há, está sendo apesar

se parar, a gente dança, se dançar, a gente para
para ver, é preciso olhar, para olhar, é preciso ver

tudo habita na relação impossível
entre parar-dançar-parar, ver-olhar-ver

será que você consegue chegar lá?

te espero no cume invisível de uma montanha infinita para nosso tamanho

meus dedos congelam, nariz, orelhas
não sinto meu corpo sob a cintura

nessa aventura de ir além,
você nada pode diante de minha coragem de viver a vida como um alpinista
que escala as alturas e desce sem levar consigo
mais que um coração cheio de pedras
para esvaziar assim que tocar o solo

um dia a gente se encontra
fora desses corpos que nos impelem um ao outro
então te conto
como é sentir a alma estando em tudo que existe sem se comunicar com nada
como a alma é a experiência de uma morte que de tão definitiva só assim dá sentido à vida

nenhuma flor que se preze
pressente quando fenece
nem percebe o perfume que exala durante
toda flor que vale a florescência
floresce sem por que
mesmo que nada fosse antes
mesmo que não seja em essência
mais do que resta no instante

quem, por um momento que seja, se instala na tensão entre ser e existir
compreende que a vida inteira vale um único sopro quente do destino
e pode então prescindir do movimento que dispersa,
da verdade que inebria
não como o vinho de Dioniso, mas como a certeza fria de Parmênides

não há caminhos que me conduzam
não há sendas sobre mim
meus passos abrem nos abismos
as estradas que percorro em vão
com ou sem você

reconciliação

meu coração, que tanto me cansa e desconsola
por andar descompassado, sem direção
de repente me conforta, fortalece
ao negar-se a um embate com a dor, recolher-se
e assim livrar-me de um fim indigno

a mim, que além de um coração selvagem e apaixonado
tenho como princípio na vida
jamais matar ou morrer de dor